O governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) quer mexer de forma atabalhoada na gestão dos reservatórios de usinas hidrelétricas que hoje estão sob controle da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Para isso prepara a edição de uma Medida Provisória (MP) que cria a Câmara de Regras Operacionais Excepcionais para Usinas Hidrelétricas (Care), que terá poderes para estabelecer os limites de uso, armazenamento e vazão das usinas hidrelétricas.
A desculpa do governo é que é preciso dar poder ao Ministério de Minas e Energia (MME)para acelerar as decisões sobre a necessidade de aumentar, ou não, o nível de água das principais barragens, e evitar o racionamento de energia por causa da estiagem prolongada.
Engenheiros do sistema Eletrobras são contrários à medida. Segundo eles, desde 2017 quando o governo de Michel Temer (MDB-SP) anunciou que privatizaria a estatal até os dias de hoje, a empresa, da qual a União é controladora, tem priorizado cortes de custos, despesas, aumento do caixa e distribuição de dividendos aos acionistas, não faz os investimentos necessários para outras formas de energia, que não sejam as de usinas térmicas, que encarecem a conta de luz e poluem o meio ambiente.
Mexer no nível das barragens barragens dos reservatórios das hidrelétricas, que já se encontra bem abaixo do ideal, vai prejudicar o consumo de água tanto da população, como dos animais, da flora,da agricultura e, inclusive, de indústrias que utilizam largamente a água na composição de seus produtos, diz o engenheiro civil de Furnas, especialista em recursos hídricos e meio ambiente, Felipe Araújo.
Ele explica que a ANA é a Agência que regula a utilização de águas para os seres humanos, animais e irrigação para a agricultura e indústrias, que, por sua vez, utilizam água no processo industrial. Dependendo da área de atuação as indústrias podem ou não devolver a água, de alguma forma tratada, de volta ao meio ambiente.
Já o Ibama é o órgão responsável pela restrição de vazão mínima. Por exemplo, um trecho de rio precisa ter 10 m³ por segundo para promover a irrigação e abastecer de água a fauna e flora nas imediações das hidrelétricas. Com mais poder, o ministério das Minas e Energia pode decidir por uma vazão abaixo do mínimo, prejudicando toda a cadeia do meio ambiente. Por isso, é que para o governo federal é importante impedir que tanto a ANA como o Ibama intervenham em suas decisões catastróficas para o meio ambiente.
“Se o governo quiser poderá baixar a vazão mínima, a chamada vazão ecológica para encher mais rápido os reservatórios das hidrelétricas. A gente não pode reduzir essa vazão, pois precisamos manter os corpos de águas doces de rios e lagos para a manutenção da fauna e da flora. Por sua vez, sem água, tanto a agricultura como as indústrias não terão como produzir”, avalia Felipe, que também é diretor da Associação dos Engenheiros de Furnas (Asef).
A população, além de enfrentar um possível desabastecimento, terá de consumir uma água mais suja, que precisará de um maior tratamento.
A água que vai entrar nas estações de tratamento será mais suja, muito inferior, precisando de utilização de material químico que retire produtos sólidos e solúveis. A água vai chegar pior para a população, com mais cloro e mais cheiro, dependendo da distância da moradia de uma estação
Já em dezembro de 2019, o engenheiro e diretor do Coletivo Nacional dos Urbanitários (CNE), Ikaro Chaves, alertava em reportagem sobre os perigos da privatização da Eletrobras, sobre os impactos no acesso e distribuição de água para a população, a agricultura e ao meio ambiente.
Segundo ele, a Eletrobras tem 47 usinas hidrelétricas responsáveis por 52% de toda a água armazenada no Brasil. 70% dessa água são utilizadas na irrigação da agricultura.
“Imagine tudo isso em mãos de uma empresa privada que só se interessa pelo lucro, alertou o engenheiro, ressaltando que os aumentos de preços serão em cadeia: “Lógico que o preço vai subir para a agricultura e será repassado para a população que vai pagar mais caro pelos alimentos que coloca à mesa”.
Além dos alimentos mais caros, o povo também terá de arcar com contas de luz mais altas e ainda vai sofrer com o desabastecimento, afirmava Ikaro, à época.
Uma usina hidrelétrica tem a “chave do rio”. Ela armazena água para que em época de seca tenha como transformar a água em energia. Mas, cada gota utilizada na transformação da água em energia é uma gota a menos para o abastecimento
“Vai ter conflitos entre uma empresa, que ganha mais em período de seca com o aumento do preço da energia, a população e os agricultores que vão querer utilizar a água para consumo. Já numa empresa estatal, esse conflito é minimizado porque o abastecimento da população tem prioridade, mas uma empresa privada que visa o lucro, não vai se importar com a falta de água na torneira da população”, avaliou Ikaro.
O governo, em termos de meio ambiente, adota uma estratégia errada pois planeja utilizar mais usinas térmicas, movidas a gasolina e diesel, para evitar que a energia seja racionada, alerta Felipe Araújo.
“Do ponto de vista ambiental e econômico é prejudicial, porque o mercado mundial tem premiado países que emitem menos carbono e tem feito sanções aos que emitem mais, que é o caso do Brasil, se manter o plano de utilizar e construir mais usinas térmicas”, afirma o engenheiro de Furnas.
Governo já sabia que racionamento ocorreria
O governo Bolsonaro quer a todo custo evitar que haja apagões de energia e se diz preocupado com o impacto que o uso de termoelétricas causará nas contas de luz. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), já anunciou que vai mudar a bandeira tarifária para vermelha, a mais cara ao consumidor, por causa da forte estiagem que passa o país.
O discurso do governo responsabilizando a estiagem pelo possível racionamento e o aumento nas contas de luz não reflete a verdade, segundo o presidente da Confederação Nacional dos Urbanitários (CNU), Paulo de Tarso, pois deixou de investir em alternativas menos poluidoras, como a energia eólica, além do que já havia sido avisado dos problemas que uma forte estiagem traria.
”O Brasil de tempos em tempos tem uma forte estiagem. Esta é a maior dos últimos 91 anos, mas era previsível, já era sabido, mas, simplesmente tiraram o pé do acelerador e deixaram situação do jeito que está, e quem vai pagar pela energia mais cara, que é a térmica, é a sociedade ”, critica o presidente da CNU.
Paulo de Tarso acusa ainda os governos de Michel Temer ( MDB-SP) e de Bolsonaro de preparar a venda da Eletrobras e a proibir de investir, o que está causando problemas no fornecimento de energia mais barata à população.
“Nos últimos três anos, a Eletrobras deu um lucro de R$ 30 bilhões, mas eles deixaram de investir como forma de preparar para a venda num momento de crise, para dizer que a estatal não funciona e é preciso vender”, afirma Paulo de Tarso.
A relação do valor da dívida da Eletrobras com o seu grau de endividamento, a chamada “Ebitda”, mostra, segundo Felipe Araújo, que o caixa da empresa é superavitário.
“ A Eletrobras está numa relação de quase poder emprestar dinheiro. A empresa pode entrar em leilões, mas só finge que entra porque não está ganhando nenhum”, denuncia o direitor da Aesel. A entidade em nota, demonstra que a Eletrobras possui capacidade de investimentos para o desenvolvimento do Brasil. A estatal investiu R$ 5 bilhões por ano no quinquênio 2016-2020, com forte incremento na distribuição de dividendos de 2018 a 2020. Todavia, em cinco anos do governo Dilma Rousseff (PT), de 2011 a 2015, a companhia investiu R$ 10,5 bilhões por ano.
Já Paulo de Tarso, reforça o papel do Estado no atendimento à população. De acordo com ele, o setor privado não vai cumprir este papel. Ao contrário, vai encarecer as tarifas para acumular lucro em prejuízo à soberania nacional e às indústrias brasileiras.
“ Com energia mais cara, os produtos fabricados aqui também ficam mais caros. É uma relação desfavorável ao mercado internacional. Com as tarifas fora da concorrência, o Brasil sofrerá ainda mais um processo de desindustrialização, retardando a recuperação da economia e o país deixando de melhorar seu PIB [Produto Interno Bruto]”, conclui o presidente da CNU.
Fonte: Rosely Rocha, CUT